Por Fábio dal Soglio. Fonte: Dicionário de Agroecologia e Educação.

Para que se possa manejar corretamente um agroecossistema, é necessário compreender como as diferentes espécies que o habitam, nativas ou introduzidas, conseguem seus alimentos. Todos os seres vivos precisam de energia e de materiais para seu crescimento e desenvolvimento, para produzir as estruturas e compostos que precisam, a matéria orgânica viva, e para manter seus sistemas de suporte à vida funcionando. Essa energia e os nutrientes necessários à vida são obtidos dos alimentos. Mas, enquanto algumas espécies produzem seus próprios alimentos, utilizando energia livre disponível e moléculas inorgânicas, outros não possuem essa habilidade e dependem de alimentos já sintetizados. Em função disso, em cada ecossistema se estabelece uma relação de dependência, em diferentes níveis (os níveis tróficos), entre espécies que produzem seus alimentos e as que dependem de outros organismos para se alimentar. Forma-se, assim, uma cadeia de interações ecológicas com base na alimentação, a cadeia alimentar ou cadeia trófica (do grego “trophe”, que significa alimento ou nutrição).

Evidentemente, as interações alimentares  entre as espécies não ocorrem  de forma linear, com plantas sendo  consumidas por herbívoros, caçados por  predadores que, ao morrerem, são processados  por decompositores. Temos, por  exemplo, predadores que podem atacar  outros predadores para se alimentar, ou  fungos que no solo são decompositores  da matéria orgânica morta, mas que,  se tiverem a oportunidade, tornam-se  patógenos de plantas, passando a ser  consumidores. Assim, as interações  alimentares são, na verdade, complexas,  formando uma rede de cadeias alimentares,  a rede alimentar, também conhecida  como teia alimentar ou teia trófica, que é  como o conceito será tratado neste texto.  Mas, por ser um conceito mais difundido,  e de aplicação mais fácil, o termo cadeia  alimentar ainda tem sido aplicado. 


Os níveis tróficos e o fluxo de  energia na teia alimentar 

As diferentes espécies encontradas  em um ecossistema podem ser agrupadas  por níveis tróficos, que são caracterizados  pelas habilidades dessas espécies  em produzir e/ou consumir alimentos.  Esses níveis tróficos são: produtores, que  são as espécies capazes de sintetizar seus  próprios alimentos; consumidores, que se  alimentam de outros organismos, vivos  ou mortos; e decompositores, que, ao  decompor formas complexas de matéria  orgânica morta, liberam nutrientes de  volta ao ambiente. Ao longo da rede  alimentar, desde os produtores primários  até os decompositores, ocorre uma  transferência de energia e de nutrientes  entre os níveis tróficos, ou seja, um fluxo  de energia e um fluxo de materiais. Um esquema  representando as interações entre esses  diferentes níveis tróficos e o fluxo de  energia é apresentado na Figura 1 (ver,  adiante, p. 799). 

Figura 1 – Esquema geral da teia alimentar, mostrando interações alimentares e fluxo da energia no ecossistema.

Os produtores primários são organismos  autotróficos, ou seja, são capazes  de sintetizar moléculas orgânicas  complexas, como açúcares, lipídios  e aminoácidos, a partir de moléculas  inorgânicas e uma fonte de energia. As  principais moléculas inorgânicas que  utilizam são as que servem de fonte de  carbono, oxigênio e hidrogênio, como  o gás carbônico (CO2) e a água (H2O).  Os organismos autotróficos que possuem  clorofila, como as plantas e algumas  algas e bactérias, realizam a fotossíntese,  utilizando a luz do sol como fonte de  energia e transformando as moléculas  de CO2 e H2O em glicose, que é um  açúcar, liberando oxigênio (O2). Outros  organismos autotróficos aproveitam a  energia liberada por reações químicas  de oxirredução, através da quimiossíntese,  em que o resultado final também é a  síntese de açúcares. São exemplos de organismos  que realizam a quimiossíntese:  as ferrobactérias, que oxidam compostos  de ferro (Fe); as sulfobactérias, ou  tiobactérias, que oxidam compostos de  enxofre, principalmente ácido sulfídrico  (H2S); e as nitrobactérias, ou bactérias  nitrificantes, que oxidam amônia (NH3)  ou nitrito (NO2), produzindo nitrato  (NO3), que é fonte de nitrogênio para  as plantas.  

Os açúcares produzidos na fotossíntese  e na quimiossíntese servem de  reserva primária de energia que, sendo  necessária, pode ser liberada por reações  de oxidação. Em alguns organismos,  os aeróbios ou aeróbicos, essa oxidação  acontece na respiração, que ocorre na  presença de oxigênio (O2); a quebra dos  açúcares libera energia química, CO2 e  H2O. Em alguns organismos, os anaeróbios  ou anaeróbicos, a quebra dos açúcares  é realizada na ausência de oxigênio, por  outros compostos, como alguns compostos  nitrogenados ou derivados do enxofre,  e através da fermentação, uma reação  em que os açúcares não são quebrados  completamente, produzindo compostos  mais simples, como o álcool (Lehninger;  Nelson; Cox, 1993). Alguns organismos,  como certos fungos e bactérias, podem  atuar tanto como aeróbicos ou anaeróbicos,  dependendo do ambiente em que se  encontram. A energia liberada na quebra  dos açúcares permite aos organismos  sintetizar as demais moléculas orgânicas  que necessitam ou realizar trabalho. A  energia, assim, vai sendo transferida  para as novas moléculas formadas, ou  sendo perdida, na forma de trabalho ou  de calor.  

Entre os organismos consumidores,  denominados heterotróficos por não  sintetizarem seus alimentos, existem  diversas formas de obtenção e processamento  dos alimentos para conseguir a  energia e os nutrientes que precisam para  viver. Existem consumidores aeróbicos  obrigatórios, anaeróbicos obrigatórios  e os que sobrevivem na presença ou na  ausência de oxigênio. Os consumidores  primários se alimentam apenas dos produtores  primários ou de parte desses. É  o caso dos herbívoros, como os animais  ruminantes, que consomem exclusivamente  vegetais. Outros organismos  se alimentam de outros consumidores,  podendo ser conhecidos como consumidores  secundários, quando se alimentam  de consumidores primários, como os  carrapatos parasitando bovinos, ou pequenos  predadores se alimentando de  coelhos, ou como consumidores terciários,  como os superpredadores, predadores de  outros predadores, como as águias que se  alimentam de cobras, e os hiperparasitas,  parasitas de outros parasitas, como fungos  do gênero Trichoderma que atacam  fungos parasitas de plantas.  

Embora muitas espécies sejam especializadas  em um determinado nível  trófico, algumas espécies são mais generalistas,  ocupando diferentes níveis  tróficos, dependendo do ambiente ou da  fase de vida em que se encontram. Nos  sirfídeos, que são pequenas moscas, por  exemplo, os adultos consomem néctar e  pólen, sendo consumidores primários,  enquanto as larvas são predadores de  pulgões em plantas, ou seja, consumidores  secundários (Silva et al., 2013).  

Em algumas interações ecológicas,  como a simbiose e o mutualismo, encontramos  associações de espécies que,  mesmo estando em diferentes níveis  tróficos, se beneficiam mutuamente. Temos como  exemplos, citados por Moreira e Siqueira  (2006), as bactérias fixadoras de  nitrogênio, dos gêneros Rhizobium e Bradyrhizobium,  que formam associações  simbióticas com plantas leguminosas,  e os fungos micorrízicos, que vivem em  mutualismo (simbiose obrigatória) com  grande parte das plantas. Em ambos os  casos, os microrganismos fornecem nutrientes  às plantas, e delas recebem açúcares.  Odum (1983) também cita como  exemplo o caso de líquenes, simbioses  entre fungos e algas ou cianofíceas (bactérias  fotossintetizadoras), muitas vezes  conhecidos por serem colonizadores  primários, habitando ambientes pouco  intemperizados, em que a associação  benéfica entre os organismos envolvidos  é de tal ordem que eles sempre se  reproduzem juntos. Nesse caso, as algas  ou as cianofíceas realizam fotossíntese,  e, portanto, são os produtores primários,  enquanto os fungos lhes fornecem água  e proteção, recebendo em troca o alimento  sintetizado.  

Alguns organismos, os mixotróficos,  são produtores e consumidores. É o caso  das plantas carnívoras, que, embora façam  fotossíntese, também se alimentam  de insetos que ficam presos em suas  armadilhas, e de algumas algas, como  as do gênero Euglena, que tanto podem  realizar fotossíntese como se alimentar  de diferentes compostos orgânicos  através de fagocitose (Schmidt; Raven;  Paungfoo-Lonhienne, 2013).  

Ao final da rede alimentar existem os  organismos decompositores, que reciclam a  matéria orgânica morta. Os decompositores,  em geral microrganismos, adquirem  energia quebrando compostos orgânicos  mais complexos, como açúcares, proteínas,  ácidos nucleicos e lipídios, e liberando  nutrientes na forma de compostos mais  simples que ficam assim disponíveis aos  produtores primários, reiniciando a rede  alimentar. No processo de decomposição,  diversos organismos podem se suceder,  sendo cada um mais adaptado às diferentes  condições ecológicas ou especializado  na quebra de determinados compostos  orgânicos. Alguns organismos podem  atuar como decompositores de matéria  orgânica, em determinadas condições de  ambiente, passando a ser consumidores  se essas condições forem modificadas. É o  caso de vários microrganismos encontrados  normalmente como decompositores  de matéria orgânica no solo, e que podem  passar a atuar como patógenos caso haja  a oportunidade.  

Alguns organismos podem se alimentar  de uma maior diversidade de  fontes de alimento, tanto produtores  como consumidores e mesmo decompositores,  sendo chamados de polífagos  ou onívoros. É o caso dos humanos, que  podem processar uma gama de alimentos,  tendo para isso um sistema digestivo  adaptado. Em contrapartida, assim como  ocorre nos humanos, muitos organismos  não se alimentam apenas de fontes de  carbono e de minerais, mas requerem  também fontes de alguns compostos  complexos que não conseguem sintetizar,  como vitaminas ou aminoácidos, que  precisam ser obtidos pela alimentação.  Assim, mesmo um organismo onívoro,  que pode utilizar uma ampla gama de  alimentos, pode requerer alguma fonte  nutritiva específica para completar seu  desenvolvimento de forma satisfatória.  

Segundo Odum (1983), o fluxo de  energia ocorre em uma única direção  e, ao longo da cadeia alimentar, essa  energia vai sendo consumida e perdida.  Assim, os produtores primários adquirem  a energia de uma fonte de alto valor  energético, como a luz do sol, e a acumulam  nos alimentos que sintetizam e  que serão a base da rede alimentar. Esses  alimentos são utilizados em parte pelos  produtores, e depois pelos consumidores  e decompositores, e a energia inicial vai  sendo consumida para produzir trabalho  ou sendo perdida na forma de calor, até  um sumidouro final. Pela rede alimentar,  as perdas energéticas a cada nível trófico  são consideráveis, podendo chegar a 90%  (Odum, 1983). Assim, os produtores acumulam,  por massa, mais energia que os  consumidores primários, e esses, por sua  vez, mais energia que os consumidores  secundários, e assim sucessivamente. Isso  explica por que podemos considerar a  produção vegetal mais eficiente, do ponto  de vista energético, que a produção  animal, e porque não temos criações de  animais carnívoros. 


A Teia alimentar e o manejo dos  agroecossistemas 

Como visto, as redes alimentares  estão conectadas ao fluxo de energia e  à produtividade, em termos de biomassa,  de um ecossistema. Isso significa que o  manejo correto de um agroecossistema  direciona o fluxo de energia para funções  ecológicas desejadas, beneficiando  espécies e interações prioritárias para a  agricultura. Embora regras gerais possam  ser úteis, estabelecendo a conservação do  solo, da água e da biodiversidade, para  o manejo correto dos agroecossistemas,  é necessário entender as tendências naturais  das redes tróficas, considerando  as condições ecológicas locais e como  diferentes práticas as afetam.  

Muitas práticas de manejo, comuns  na agricultura convencional, como a  aração, a incorporação de restos culturais  ao solo, a aplicação de agrotóxicos  e os monocultivos, prejudicam o fluxo  de energia e de matéria orgânica no  sistema. Em um solo tropical, a aração,  que provoca compactação, e a incorporação  profunda de matéria orgânica não  decomposta, por exemplo, incrementa  a atividade anaeróbica no solo e, ao  contrário de liberar CO2, libera metano  (CH4), que é tóxico (Primavesi, 2012).  O metano também tem, proporcionalmente,  maior potencial que o CO2 como  causa do efeito estufa (Forster, 2007).  Os monocultivos reduzem a disponibilidade  de alimentos para a manutenção  dos diferentes grupos funcionais, como,  por exemplo, os agentes de controle  biológico, aumentando a população de  organismos não desejados (Nichols,  2006). Os agrotóxicos, químicos ou  biológicos, afetam as redes alimentares,  pois alteram a biodiversidade funcional,  por vezes de forma não intencional, tanto  diretamente, em espécies suscetíveis aos  ingredientes ativos, como indiretamente,  quando elimina da rede alimentar uma  espécie que é chave para a sobrevivência  de outras espécies.  

Em contrapartida, existem práticas  que são benéficas aos agroecossistemas,  favorecendo a captação de energia no  sistema e a acumulação de biomassa. É o  caso dos sistemas agroflorestais, onde as  árvores, além de aumentarem a biodiversidade  funcional, fornecendo alimentos e  proteção para diversas espécies, também  aumentam a interceptação de luz no  sistema e a acumulação de biomassa,  com efeitos positivos na estrutura e na  fertilidade dos solos (Coelho, 2012).  Também o uso de barreiras vegetadas e  de quebra-ventos, que alteram o microclima  no agroecossistema, interferem  na distribuição de insetos ou patógenos  especializados, ou seja, que atacam apenas  determinadas plantas, contribuindo  também com a regulação biótica, ao servir  de reservatório de agentes de controle  biológico, como predadores, por exemplo  aranhas e vespas, ou parasitas, como  microrganismos que ataquem outros  microrganismos ou causem doenças nos  insetos prejudiciais. 


Conclusão 

Diversas são as possibilidades de  manejarmos as redes alimentares nos  agroecossistemas e, com isso, atingir  maiores níveis de produtividade  na agricultura. No entanto, para desenvolvermos  agroecossistemas mais  sustentáveis, além da produtividade,  devemos levar em consideração as demais  propriedades destes, como a sustentabilidade  ambiental, a autonomia,  a equidade e a estabilidade. Como a  rede de interações alimentares em cada  ecossistema tem suas especificidades,  sendo condicionada por características  físicas e ecológicas que variam consideravelmente  no tempo, ao longo dos dias  e das estações, e de acordo com as condições  climáticas, para cada ambiente  e para cada situação existem respostas  diferentes do comportamento das redes  alimentares. Regras gerais de manejo  do solo, da água e da biodiversidade, e  de como poderemos melhorar o fluxo  de energia e biomassa, manejando as  redes alimentares, podem ser utilizadas,  mas a experiência e o conhecimento  acumulados em cada ecossistema precisam  ser levados em conta, adaptando  os manejos aos contextos locais. Além  disso, em decorrência das interações  ecológicas entre espécies, em geral mais  eficientes na conservação de energia  e na produção de biomassa, resulta  um longo período de coevolução, no  qual se deve priorizar os manejos que  beneficiem espécies nativas, tanto da  biodiversidade manejada como da biodiversidade  associada, o que em geral  resulta no estabelecimento de redes alimentares  mais eficientes na acumulação  de energia e na produção de biomassa.  


Referências

COELHO, G. C. Sistemas Agroflorestais. São Carlos: Rima, 2012. 206p.

FORSTER , P. et al. Changes in Atmospheric Constituents and in Radiative Forcing. In: Solomon, S. et al. (eds). Climate Change 2007: The Physical Science Basis. Cambridge: Cambridge University Press. 2007.

LEHNINGER, A. L.; NELSON, D. L.; COX, M. M. Principles of Biochemistry. 2. ed. New York: Wortth, 1993. 1.013p.

MOREIR A, F. M. S.; SIQUEIR A, J. O. Microbiologia e Bioquímica do Solo. 2. ed. atual. Ed. ampl. Lavras: Editora UFLA, 2006.

NICHOLS, C. I. Bases agroecológicas para diseñar e implementar una estrategia de manejo de hábitat para control biológico de plagas. Agroecología, n. 1, 2006, p 37-48, 2006.

ODUM, E. P. Ecologia. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1983. 434 p.

PRIMAVESI, A. O solo: a base da vida em nosso globo. São Paulo: Unesp, 2012. 13p. Disponível em: https://www.fca.unesp.br/Home/Extensao/GrupoTimbo/Osolo-AnaPrimavesi. Acesso: 5 abr. 2021.

SCHMIDT , S.; RAVEN , J.A.; PAUN GFOO -LON HIENNE , C. The mixotrophic nature of photosynthetic plants. Functional Plant Biology, n. 40, p. 425-438, 2013.

SILVA, A. C. et al. Guia para o reconhecimento de inimigos naturais de pragas agrícolas. Brasília: Embrapa, 2013.


Para saber mais

GONÇALVES, P. A. S.; SILVA, C. R. S. Efeito de espécies vegetais em bordadura em cebola sobre a densidade populacional de tripes e sirfídeos predadores. Horticultura Brasileira, v. 21, n. 4, p. 731-734, 2003.